segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Fala.
Tuas palavras são minha boca,
a língua seca

Fala:
desejo cada sílaba tua.

cada tua vírgula me pausa
em indefinido som -
sussurro ou gemido,
à espreita.

Desenha meu corpo com frases
Me faz versos e amor

nesse silêncio iluminado,
uma letra,
um sinal.







quinta-feira, 12 de março de 2009

Há um lobo ou um tigre
Com patas esmagadoras.

Mora dentro da minha boca
E fareja sangue em fraquezas.

Meus (seus?) dentes estraçalham amores,
Deixam o perdão no osso,

Mastigo cruel as vísceras das palavras
Cuspo bagaços de noite.

O que sobra?

Um tênue sulco de sonhos
A cortar a madrugada.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

meteorologia

nuvens escuras,
trovoadas incertas.
inerte eu,
meu coração manco.
só há pensamentos e névoa.
de dentro da bruma, um sinal:
um farol, uma graça.

eis o tempo nosso:
instável,
sujeito a pancadas de chuva no decorrer do dia.

no fim de semana, no entanto,
vai ter sol.

(amém)

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Perspectiva

A mesma noite
Dentro e fora
Encobre flores e cadáveres

Meu olho colhe apenas
O que engendra cores.

sexta-feira, 2 de maio de 2008

"Acende um cigarro pra mim?"
e os dedos desajeitados de quem não fuma me estendem apenas meia brasa.
"Não é assim que acende", eu rio.
Os dentes enormes se mostram, divinos em sua risada.
Nova tentativa, mais tarde,
demonstro os trejeitos quase inconscientes de fumante compulsiva.
Tenta. Os lábios se contraem em torno do filtro.
Os dedos muito separados.
Muito esticados. Tudo tenso em excesso.

Mas que é um charme, vá lá:
meu cronópio pode até sapatear,
tentar caminhar sobre as águas,
cair na neve ao esquiar,
qualquer coisa, em seu corpo,
parece mágica.

(eu,
tolamente apaixonada,
olho
e fumo
cigarros que eu mesma acendi)

quinta-feira, 10 de abril de 2008

cronópio

Conheci há meses (dois) um cronópio.
Real como patas de tigre
ou brilhante unicórnio.

Era levemente melancólico
perdido no tempo como se tempo não houvesse,
Ainda não sabia que cronópio era,
e não enfadonho fama.
Sem entender a regra dos calendários,
ele tentava saber as segundas-feiras
e fazia listas e listas de tarefas diárias,
sem as cumprir jamais.
O cronópio culpava-se por não saber calendários
chorava quietinho porque não sabia bater cartão de ponto,
e trancou-se meses em quarto escuro
porque os famas - malditos sejam -
lhe disseram que não sabia abotoar as camisas.
O cronópio esquecia-se de si,
afogado em contas e gaiolas.
Esquecera-se do riso fácil e dos dentes imensos que sabia mostrar
(cronópios sorriem ameaçadores, caso queiram)


Os dias dançavam então,
um após o outro,
em êxtase e júbilo.
Mas o cronópio, desmemoriado de alegrias,
nada via além do cinza anêmico
da sucessão monótona de horas.

Eu, raras vezes cronópio também,
lhe dei um dia um espelho.
Ele se olhou intrigado,
Narciso hesitante,
e demorou até perceber:
era outro o mundo que lhe pertencia.

Às vezes ele ainda chora, com medo dos famas.
A mim, resta acariciar seus cabelos espetados
(cabelo de cronópio jamais se assenta)
e dar-lhe de novo este espelho de palavras.

terça-feira, 18 de março de 2008

não há remédio que cure a dor.
não esta.
que me rói o impulso,
que devasta a noite,
que crava em minha nuca dentes ancestrais.

não há sono,
nem riso,
carícia ou engano.

não há beijo,
afago ou grito.
nada.
não há morfina pra isso.


não há nada aqui dentro,
a não ser a certeza imemorial:

estou só,
e pronta para o salto.

não há redes.
vertigem há,
e muita.

sábado, 15 de março de 2008

olha pro mundo
e sua vida
cheia de vôos e pássaros
e leões-esfinges decifradas.

olha o sonho,
o sono leve das manhãs,
o café quente na cama,
o gato que te beija,
a mulher que te beija,
os perfumes das ervas,

aquilo que há de real e mágico
se impõe como um braço ou uma boca.
acendo outro cigarro
madrugada adentro.

pela vida adentro,
faço assim:

leio cortázar na cama,
faço um café,
choro um pouquinho,
sinto um tanto de dor,
espero tempestades,
escrevo poemas de amor,
beijo gatos e cães,
planejo futuros,
calculo os juros,
preparo viagens,
rezo sobre a comida,
acalmo medos,
reparo a vida.

o cigarro queima no cinzeiro
mas sua brasa anda dentro de mim.
há aquela música ao fundo:
um piano rápido ou lento
e pausa dramática entre respirações
percebemos que sim,
há uma trilha sonora para os amores
numa noite qualquer.

vamos ver a lua,
mas não havia lua,
nem céu,
nem estrelas na sombra chuvosa,

tudo era espera e o tal piano ao fundo
(meu deus, de onde vem essa música?) .
ríamos da coincidência feliz dos acordes,
prevendo já a vida que dançaríamos inteira
em coreografia desajeitada
cheia de encantos.

quinta-feira, 6 de março de 2008

qual a tua guerra?  pergunto eu

e respondo eu mesma ainda sem saber

- ao certo -

qual a minha guerra.

 

contra as misérias da alma

as mesquinharias dos dias,

as contas bancárias

e viagens por fazer.

 

contra nós e

o equilíbrio vacilante

entre duas pontas do

mesmo eixo

 

pendemos dóceis,

quase gentis,

penduramo-nos em cordas

tecidas por trinta e tantos anos.

 

podemos então

nos enforcar

ou (crianças)

balançarmos alegres

sobre esses abismos.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

esfrega-me as dores com ramos de alecrim.
(se rio às vezes é choro incontido)
banha-me a alma com cânfora.
leva-me embora o que há de antigas tristezas.
renova-me os deuses, te peço.
desamarela-me, renova a mim
e ao que trago de cinzas sem fênix.
relembra-me o corpo
e o que nele há de amor e glória.

esta a memória de alegria:

estar em mim novamente
- bem antes de setas serem lançadas
pelo arco retesado da palavra -

e saber dormir em paz.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

escreveria com sangue,
se algum houvesse.

antes nas veias corriam letras
agora, algo levemente avermelhado
me recorda o que fui.

retalharam-me a carne.
cortes fundos separaram-me de mim.
onde ossos antes hoje pedras
onde músculos, tristezas.

sei sim que alegria é remédio.
me vê um copo d'água?
se não tenho nada a dizer,
como agora,
tomo meu café
fumo meu cigarro
preparo duas aulas,
acaricio gatos,
olho pela janela,
escolho uns poemas,

e me calo.

domingo, 17 de fevereiro de 2008

chove fora e um pouco
dentro.

a gata mia alto,
sem saber os próprios sons
mas quem sabe?

eu
ainda
procuro

uma voz que seja minha,
uma alma que seja
palavras

-mas não só.

chove fora e dentro,
uma vez mais.

sábado, 16 de fevereiro de 2008

ajustar a forma
ao conteúdo

eis o que é poesia
e amor.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

tanto a se fazer e eu
a aspirar fumaça e cães.

o corpo repleto de
cigarro e sonho
descansa enfim

sim: tudo gira e
volta a seu lugar -

um rio que corre e
corre e sempre
termina ali ou

aqui, perto dos
olhos míopes que
um dia fitaram

o sol.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Estão ali,
Enterrados,
Meus melhores dias.

Eu brilhava então,
Como se dentro de mim
Mil sóis houvesse.

As palavras eram claras
Meus dentes não rangiam
E a cabeça pousava leve sobre os ombros.
Eu sabia o que era amor:
Leite e mel escorriam de meu corpo
e a doçura não estava só na memória.

Agora, há apenas
dor de cabeça aspirinas,
umhas roídas dentes rilhados
e a certeza de que, mais que tudo,
o tempo amarga.

domingo, 10 de fevereiro de 2008

sinestesia

preciso de mim do silêncio das ausências da tristeza sentida como navalha me ferindo a pele arrancando a carne dos ossos me deixando nua e viva em chaga antiga e nova marcando-me as costas entre as escápulas desejando as coisas antes de terem existido nascendo a cada dia mais uma vez devorando as coisas avidamente antes que mais uma vez chegue a noite o silêncio soturno de cais abandonado caia na alma e me deixe assim:

os olhos pequenos tentando ouvir.
Olhos de leão às vezes,
no fundo deles mora um cão.

As asas de rapina
menos voam que me afagam

Sob as patas do monstro,
em garranchos infantis,
mil letras e sinais

(decifrada a esfinge,
resta-me,
no corpo,
a fome.)

Eugenio Montejo

(Poeta venezuelano)

Volta a teus deuses profundos;
estão intactos,
estão ao fundo com suas chamas esperando;
nenhum sopro do tempo as apaga.
Os silenciosos deuses práticos
ocultos na porosidade das coisas.
Hás rodado no mundo mais que nenhum calhau;
perdeste teu nome, tua cidade,
assíduo a visões fragmentárias;
de tantas horas que reténs?
A música de ser é destoante
porém a vida continua
e certos acordes prevalecem.
A terra é redonda por desejo
de tanto gravitar;
a terra arredondará todas as coisas
cada uma a seu término.
De tantas viagens pelo mar
de tantas noites ao pé de tua lâmpada,
só estas vozes te circundam;
decifra nelas o eco de teus deuses;
estão intactos,
estão cruzando mudos com seus olhos de peixe
ao fundo de teu sangue.

eterno retorno

um passo depois do outro um dia depois do outro um amor depois do outro uma morte depois da outra um cansaço depois do outro um abraço depois do outro um amor depois do outro um passo depois do outro uma morte depois da outra um cansaço depois do outro.

um cansaço.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

lapso

Eu precisava ainda de mim.

Precisava do espelho e da pedra
do olho alheio me dizendo amém.

Precisava do rato em frangalhos
do dragão alado no chão
da virgem com punhal

Ainda precisava de mim
quando fui embora.

quarta-feira de cinzas

no fim de tudo,
me restam dois cigarros,
quatro músicas pra chorar
uma xícara de café,
três lampejos de morte,
seis palavras de amor,
e um riso além de mim.

Pra que mais?

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

mandinga

mexa com as ervas, menina,
amassa as plantas com as mãos,
joga o banho do pescoço pra baixo.
faz um agrado pro santo.
deixa um café pros guias,
uma vela verde, um copo dágua pra Ela,
planta sua proteçao aí mesmo.

reza, que logo isso passa.
(amém)

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

quisera ser semente
e esperar

(mas há terror e pedras)

domingo, 3 de fevereiro de 2008



repito
cardamomo cardamomo cardamomo
até o gosto se misturar com a palavra
e a memória do meu avô voltar a meu corpo.

domingo, 27 de janeiro de 2008


Shiva voltou a dançar.
eu, mortal, sinto sua fúria em meus ossos.

que dance para sempre.
um dia acompanho seus passos.
Amor tem que ser fácil, tem que ser forte
Tem que escalar alturas pra só de lá cair.

Quando rasteja, não é amor
São vermes.
É com pedras que encerro.
Com terra e punhais
É na dureza, na secura
do corte sangrento,
Cru.

Preciso.
Só assim morrem os demônios.

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

1. No oitavo dia, com um café na mão, Deus contemplou a criação.

2. O futuro no fundo da xícara: negro.

3. Quando chegar, vou me encontrar assim: café e cigarros.

Pegadas

1.

Sigo seu rastro a penhasco qualquer e de lá me atiro.
Seus braços me pegariam lá embaixo, você disse.
Mas não.

2.

Passou leve, sem deixar pegadas (só sua mão forte me espremendo a alma).

sábado, 13 de outubro de 2007

ai.

sei o mundo dentro de mim
sua pequenez diária:
conversas pêlos contas e merda
sinto as mínimas tragédias ferozes:
o sangue os rasgos as fendas e abismos
o choro incontido a dor no corpo
a falta de sono a fome perdida
longos abraços lamentos uivos

uivo.
imploro rastejo
que os fios invisíveis se cortem
que seja leve a ida
que seja leve o dia
que leve, que lave

onde estão meus deuses todos?

onde está agora
a grande mão invisível que me ampara
que me reduz a pó que me conforta
que me leva de volta a mim?
onde está?

onde estou?

o cheiro me enjoa.
o cheiro da casa o cheiro de mim

o vazio cheira mal

não há bálsamo nem óleo nem incenso
nem mirra nem sabonete
que faça minha alma mais limpa.


suja,
minha alma cheia de arestas.
agora sou só resíduos
de mim.

nada há senão resíduo
viscoso denso a pingar
com lentidão de morte
de pesadelo diurno
de terror noturno
de grito assombrado.

escorre até o fim.
quando?
desafio:
com dois dentes e uma jugular,
desenhar a eternidade

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

o dia sem nuvens
azul que dói.

meu coração
turvo
chove
era a memória do corpo,
a melodia entoada torta
o cheiro de sabonete nas mãos

era a dança na cozinha
a tevê morna no domingo,
o sono comprido das tardes
o despertar lento das manhãs

era a comida delicada
o estômago sem dores
o cheiro acre de alfazema

era isso que saía de mim
quando chorava.

agostos

um dia me levaram a alma.
me lavaram.

me deram um nome
uma casa
cães e gatos
um amor
e sapatos.

um amor,
mas me levaram a alma.

setembro

era setembro
e eu raízes.

insetos e mágoas
apodreciam

da matéria morta
nasceria
(quem sabe?)


uma orquídea.

segunda-feira, 16 de julho de 2007

cem anos aguardo
de saudade e sal

corre um rio de prata entre nós
separa em mim
o que é compasso
de espera

e se
eu não fosse eu,
fosse a outra,
duplo de mim?

aquela que não é
lobo em grilhões.

aquela que dança com leveza
a que sabe chorar sem medo
aquela que canta
e vez ou outra ri tão alto
que os outros em redor sorriem.

aquela temerária
atravessando rios,
oceanos, desertos, geleiras
apenas porque assim
deseja
seu corpo?

e se
fosse eu
um tigre cujos olhos se fixam
em posição de bote
e cujos passos atravessam a sala
destemidamente?


(Sou eu agora a presa.)

fosse eu ela
os vidros se partiriam
e da jaula quebrada
nasceriam pequenos cristais
ou borboletas.

Soubesse eu
ser pedra sem espinhos
o mundo seria outro
e eu,
a outra.

um espelho que não me deforma.
um salto.
um grito.

quarta-feira, 11 de julho de 2007

quisera eu
amanhecer
assim

em paz.

domingo, 1 de julho de 2007

sobre a morte

1.

tem densidade de chumbo
a morte.
tangível, espessa,real.

tem peso de lama
o peso imóvel e lento da lama.
grito de distâncias irreais
denso visco de saudade
do gesto imóvel, paralisia crua
olhos de vidro ainda translúcidos,
o denso sangue já
estático nas veias.


(serei eu um dia.
seremos nós.)

2.

antes corpo cheio de esgares
contrações pulsos
saltos torções impulsos
leves assim: um sopro.

(a vida é
sopro de
hálito divino)

o que vive é leve .
tem o peso nulo da alma,
a delicadeza do que move
sem saber que move.

A vida,
enfim,
é leve.

quinta-feira, 28 de junho de 2007

Amor se espalha nas cadeiras
Olha de viés, interroga a cara
Ri risadas compridas
Emborca meus sentidos
Desordena entendimentos
Mete medo e desejo
Em coração subterrâneo

Amor, esse murro na cara
É diabo e fala manso.

quarta-feira, 27 de junho de 2007

estrada


Como saber o limite das definições?
Não sei se sou o que sou
Ou se sou as palavras
Que se dizem por mim.

Entre o dentro e o fora,
No espaço estreito de minha garganta,
Tombam signos e alegrias.
Posso ser essa penumbra,
Ou um armário amarelo cheio de trastes.
Entre o dentro e o fora
Há minhas palavras e meu riso.
Pode haver os dentes rilhados
E as unhas roídas.
Mas esses são o que diz o escuro.
qual bicho,
dentes agudos,
devoro a noite
e seu ventre.

roubo o que há
de ar e dia
de susto e medo
em suas costas
em arco:

toco-as ;
cordas tensas,
e respiro o que há
de sangue e manhãs
em sua nuca.

entenda:
eu roubo o que há
de mim
em você