quinta-feira, 10 de abril de 2008

cronópio

Conheci há meses (dois) um cronópio.
Real como patas de tigre
ou brilhante unicórnio.

Era levemente melancólico
perdido no tempo como se tempo não houvesse,
Ainda não sabia que cronópio era,
e não enfadonho fama.
Sem entender a regra dos calendários,
ele tentava saber as segundas-feiras
e fazia listas e listas de tarefas diárias,
sem as cumprir jamais.
O cronópio culpava-se por não saber calendários
chorava quietinho porque não sabia bater cartão de ponto,
e trancou-se meses em quarto escuro
porque os famas - malditos sejam -
lhe disseram que não sabia abotoar as camisas.
O cronópio esquecia-se de si,
afogado em contas e gaiolas.
Esquecera-se do riso fácil e dos dentes imensos que sabia mostrar
(cronópios sorriem ameaçadores, caso queiram)


Os dias dançavam então,
um após o outro,
em êxtase e júbilo.
Mas o cronópio, desmemoriado de alegrias,
nada via além do cinza anêmico
da sucessão monótona de horas.

Eu, raras vezes cronópio também,
lhe dei um dia um espelho.
Ele se olhou intrigado,
Narciso hesitante,
e demorou até perceber:
era outro o mundo que lhe pertencia.

Às vezes ele ainda chora, com medo dos famas.
A mim, resta acariciar seus cabelos espetados
(cabelo de cronópio jamais se assenta)
e dar-lhe de novo este espelho de palavras.