sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

esfrega-me as dores com ramos de alecrim.
(se rio às vezes é choro incontido)
banha-me a alma com cânfora.
leva-me embora o que há de antigas tristezas.
renova-me os deuses, te peço.
desamarela-me, renova a mim
e ao que trago de cinzas sem fênix.
relembra-me o corpo
e o que nele há de amor e glória.

esta a memória de alegria:

estar em mim novamente
- bem antes de setas serem lançadas
pelo arco retesado da palavra -

e saber dormir em paz.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

escreveria com sangue,
se algum houvesse.

antes nas veias corriam letras
agora, algo levemente avermelhado
me recorda o que fui.

retalharam-me a carne.
cortes fundos separaram-me de mim.
onde ossos antes hoje pedras
onde músculos, tristezas.

sei sim que alegria é remédio.
me vê um copo d'água?
se não tenho nada a dizer,
como agora,
tomo meu café
fumo meu cigarro
preparo duas aulas,
acaricio gatos,
olho pela janela,
escolho uns poemas,

e me calo.

domingo, 17 de fevereiro de 2008

chove fora e um pouco
dentro.

a gata mia alto,
sem saber os próprios sons
mas quem sabe?

eu
ainda
procuro

uma voz que seja minha,
uma alma que seja
palavras

-mas não só.

chove fora e dentro,
uma vez mais.

sábado, 16 de fevereiro de 2008

ajustar a forma
ao conteúdo

eis o que é poesia
e amor.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

tanto a se fazer e eu
a aspirar fumaça e cães.

o corpo repleto de
cigarro e sonho
descansa enfim

sim: tudo gira e
volta a seu lugar -

um rio que corre e
corre e sempre
termina ali ou

aqui, perto dos
olhos míopes que
um dia fitaram

o sol.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Estão ali,
Enterrados,
Meus melhores dias.

Eu brilhava então,
Como se dentro de mim
Mil sóis houvesse.

As palavras eram claras
Meus dentes não rangiam
E a cabeça pousava leve sobre os ombros.
Eu sabia o que era amor:
Leite e mel escorriam de meu corpo
e a doçura não estava só na memória.

Agora, há apenas
dor de cabeça aspirinas,
umhas roídas dentes rilhados
e a certeza de que, mais que tudo,
o tempo amarga.

domingo, 10 de fevereiro de 2008

sinestesia

preciso de mim do silêncio das ausências da tristeza sentida como navalha me ferindo a pele arrancando a carne dos ossos me deixando nua e viva em chaga antiga e nova marcando-me as costas entre as escápulas desejando as coisas antes de terem existido nascendo a cada dia mais uma vez devorando as coisas avidamente antes que mais uma vez chegue a noite o silêncio soturno de cais abandonado caia na alma e me deixe assim:

os olhos pequenos tentando ouvir.
Olhos de leão às vezes,
no fundo deles mora um cão.

As asas de rapina
menos voam que me afagam

Sob as patas do monstro,
em garranchos infantis,
mil letras e sinais

(decifrada a esfinge,
resta-me,
no corpo,
a fome.)

Eugenio Montejo

(Poeta venezuelano)

Volta a teus deuses profundos;
estão intactos,
estão ao fundo com suas chamas esperando;
nenhum sopro do tempo as apaga.
Os silenciosos deuses práticos
ocultos na porosidade das coisas.
Hás rodado no mundo mais que nenhum calhau;
perdeste teu nome, tua cidade,
assíduo a visões fragmentárias;
de tantas horas que reténs?
A música de ser é destoante
porém a vida continua
e certos acordes prevalecem.
A terra é redonda por desejo
de tanto gravitar;
a terra arredondará todas as coisas
cada uma a seu término.
De tantas viagens pelo mar
de tantas noites ao pé de tua lâmpada,
só estas vozes te circundam;
decifra nelas o eco de teus deuses;
estão intactos,
estão cruzando mudos com seus olhos de peixe
ao fundo de teu sangue.

eterno retorno

um passo depois do outro um dia depois do outro um amor depois do outro uma morte depois da outra um cansaço depois do outro um abraço depois do outro um amor depois do outro um passo depois do outro uma morte depois da outra um cansaço depois do outro.

um cansaço.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

lapso

Eu precisava ainda de mim.

Precisava do espelho e da pedra
do olho alheio me dizendo amém.

Precisava do rato em frangalhos
do dragão alado no chão
da virgem com punhal

Ainda precisava de mim
quando fui embora.

quarta-feira de cinzas

no fim de tudo,
me restam dois cigarros,
quatro músicas pra chorar
uma xícara de café,
três lampejos de morte,
seis palavras de amor,
e um riso além de mim.

Pra que mais?

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

mandinga

mexa com as ervas, menina,
amassa as plantas com as mãos,
joga o banho do pescoço pra baixo.
faz um agrado pro santo.
deixa um café pros guias,
uma vela verde, um copo dágua pra Ela,
planta sua proteçao aí mesmo.

reza, que logo isso passa.
(amém)

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

quisera ser semente
e esperar

(mas há terror e pedras)

domingo, 3 de fevereiro de 2008



repito
cardamomo cardamomo cardamomo
até o gosto se misturar com a palavra
e a memória do meu avô voltar a meu corpo.