segunda-feira, 15 de outubro de 2007

1. No oitavo dia, com um café na mão, Deus contemplou a criação.

2. O futuro no fundo da xícara: negro.

3. Quando chegar, vou me encontrar assim: café e cigarros.

Pegadas

1.

Sigo seu rastro a penhasco qualquer e de lá me atiro.
Seus braços me pegariam lá embaixo, você disse.
Mas não.

2.

Passou leve, sem deixar pegadas (só sua mão forte me espremendo a alma).

sábado, 13 de outubro de 2007

ai.

sei o mundo dentro de mim
sua pequenez diária:
conversas pêlos contas e merda
sinto as mínimas tragédias ferozes:
o sangue os rasgos as fendas e abismos
o choro incontido a dor no corpo
a falta de sono a fome perdida
longos abraços lamentos uivos

uivo.
imploro rastejo
que os fios invisíveis se cortem
que seja leve a ida
que seja leve o dia
que leve, que lave

onde estão meus deuses todos?

onde está agora
a grande mão invisível que me ampara
que me reduz a pó que me conforta
que me leva de volta a mim?
onde está?

onde estou?

o cheiro me enjoa.
o cheiro da casa o cheiro de mim

o vazio cheira mal

não há bálsamo nem óleo nem incenso
nem mirra nem sabonete
que faça minha alma mais limpa.


suja,
minha alma cheia de arestas.
agora sou só resíduos
de mim.

nada há senão resíduo
viscoso denso a pingar
com lentidão de morte
de pesadelo diurno
de terror noturno
de grito assombrado.

escorre até o fim.
quando?
desafio:
com dois dentes e uma jugular,
desenhar a eternidade

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

o dia sem nuvens
azul que dói.

meu coração
turvo
chove
era a memória do corpo,
a melodia entoada torta
o cheiro de sabonete nas mãos

era a dança na cozinha
a tevê morna no domingo,
o sono comprido das tardes
o despertar lento das manhãs

era a comida delicada
o estômago sem dores
o cheiro acre de alfazema

era isso que saía de mim
quando chorava.

agostos

um dia me levaram a alma.
me lavaram.

me deram um nome
uma casa
cães e gatos
um amor
e sapatos.

um amor,
mas me levaram a alma.

setembro

era setembro
e eu raízes.

insetos e mágoas
apodreciam

da matéria morta
nasceria
(quem sabe?)


uma orquídea.

segunda-feira, 16 de julho de 2007

cem anos aguardo
de saudade e sal

corre um rio de prata entre nós
separa em mim
o que é compasso
de espera

e se
eu não fosse eu,
fosse a outra,
duplo de mim?

aquela que não é
lobo em grilhões.

aquela que dança com leveza
a que sabe chorar sem medo
aquela que canta
e vez ou outra ri tão alto
que os outros em redor sorriem.

aquela temerária
atravessando rios,
oceanos, desertos, geleiras
apenas porque assim
deseja
seu corpo?

e se
fosse eu
um tigre cujos olhos se fixam
em posição de bote
e cujos passos atravessam a sala
destemidamente?


(Sou eu agora a presa.)

fosse eu ela
os vidros se partiriam
e da jaula quebrada
nasceriam pequenos cristais
ou borboletas.

Soubesse eu
ser pedra sem espinhos
o mundo seria outro
e eu,
a outra.

um espelho que não me deforma.
um salto.
um grito.

quarta-feira, 11 de julho de 2007

quisera eu
amanhecer
assim

em paz.

domingo, 1 de julho de 2007

sobre a morte

1.

tem densidade de chumbo
a morte.
tangível, espessa,real.

tem peso de lama
o peso imóvel e lento da lama.
grito de distâncias irreais
denso visco de saudade
do gesto imóvel, paralisia crua
olhos de vidro ainda translúcidos,
o denso sangue já
estático nas veias.


(serei eu um dia.
seremos nós.)

2.

antes corpo cheio de esgares
contrações pulsos
saltos torções impulsos
leves assim: um sopro.

(a vida é
sopro de
hálito divino)

o que vive é leve .
tem o peso nulo da alma,
a delicadeza do que move
sem saber que move.

A vida,
enfim,
é leve.

quinta-feira, 28 de junho de 2007

Amor se espalha nas cadeiras
Olha de viés, interroga a cara
Ri risadas compridas
Emborca meus sentidos
Desordena entendimentos
Mete medo e desejo
Em coração subterrâneo

Amor, esse murro na cara
É diabo e fala manso.

quarta-feira, 27 de junho de 2007

estrada


Como saber o limite das definições?
Não sei se sou o que sou
Ou se sou as palavras
Que se dizem por mim.

Entre o dentro e o fora,
No espaço estreito de minha garganta,
Tombam signos e alegrias.
Posso ser essa penumbra,
Ou um armário amarelo cheio de trastes.
Entre o dentro e o fora
Há minhas palavras e meu riso.
Pode haver os dentes rilhados
E as unhas roídas.
Mas esses são o que diz o escuro.
qual bicho,
dentes agudos,
devoro a noite
e seu ventre.

roubo o que há
de ar e dia
de susto e medo
em suas costas
em arco:

toco-as ;
cordas tensas,
e respiro o que há
de sangue e manhãs
em sua nuca.

entenda:
eu roubo o que há
de mim
em você